O Amor

O dia começou fresquinho. Ensonado procuro a luz por entre a persiana enquanto tento perceber se está na hora. Ela diz bom dia. Vamos.

Não respondo. Ergo-me automático e sigo para a liturgia de todos os dias. Serei normal?

O olhar que trago é vazio, distante! Frio e maquinal despacho-me e sigo para o trabalho. Perguntam-me "estás bem?". Sim, claro. Os que partilham a minha fé, porém, buscam esperança nos meus olhos, buscam respostas. "Ganhamos?" Claro porra! 3-1 a sofrer! Serei normal?

A verdade é que não fazia ideia do que esperar. Sabia ser melhor. Sabia que tinha umas quantas horas a ultrapassar. Sabia que na última vez que tinha estado numa final, era pequeno e acabei a noite a chorar, olhar distante na TV, a ver a festa de uns italianos que me roubaram o sonho. Vinte e três anos.

Ausculto a fé dos meus colegas de tasca. Pergunto pelo "feeling" de companheiros de outras lutas! Nervos. Provocações de antis. Prometem festa turca. De mim levam silêncio. Confiança cresce.

Ouve-se Vítor Pereira a deitar a toalha ao chão. Bom. Se já dão nome ao campeonato, já o dão como perdido. Ser já campeão para ir ao Dragão a descansar para a final! Final? Porra que está quase na hora!

Chegou a hora. Estádio lindo. Cheio! Vermelho! Que coreografia Deus meu!

Que entrada, Benfica! Que ritmo! Que bom ver este Benfica. Que equipa montaram para nós termos o privilégio de apoiar! Salvio, Gaitan, Lima, Cardozo. Os turcos estão perdidos. Golo. Foda-se Gaitan, podias lutar para a bola de prata se trabalhasses tanto como o Ronaldo... Confiança. Calma. Certo de ganhar. Serei normal?

Penalti! Penalti?? Como penalty? Golo. Estamos perdidos. Cala-te caralho! Vamos ganhar!

Carrega! Carrega! Aparece Tacuara! Marca aí meu! Ai Jesus se essa "Van Basten" entra... Vai agora! GOLO! Calmíssimo! Agora sim sei que é certo! Serei normal?

Intervalo rápido. Quero a segunda parte! Quero golo. Quinze minutos e já com saudades do meu Benfica! Que Benfica!

Entrada calma. Segura. Mas forte. Determinação no olhar do "Loco" Pérez. Segurança nos pés de Matic. Matique! Que jogador caralho! Que classe! 

Cai um turco. Silêncio abissal. Ainda não vi ninguém a falar disso. Mas deixem-se de merdas! Não houve ninguém que não tenha pensado em ti, Miki. Ver outro alguém ali estendido. Inanimado. Jogadores preocupados. Medo. Afasta a ideia. O rapaz saiu e está bem! Mas a luz perdeu chama. 

Lima acende a luz de novo. Este gajo não pára de correr. O outro está parado. GOLO! Foda-se golo! Estamos lá! É golo!!!!!!! Agora sim. Foi-se a calma. Como tremo caralho! Anda lá com isso! Serei normal?

Foste tu Tacuara! Foste tu Paulo Lopes! Foste Tu Jorge Jesus. Obrigado Vieira!

De joelhos no chão, choro. Os meus filhos gritam comigo. O mais velho tira as camisolas e salta! Mais um louco da cabeça! 

Falamos entre nós. Mr Blonde chora comigo. The Turkish bebe a felicidade. The Monk junta-se a nós com a seriedade dos grandes Homens. São momentos felizes.

Esta época tem tudo, mas mesmo tudo para ser gigante. Já é maravilhosa. Já é única. Agora? Agora é a nossa vez! Agora seremos nós a levá-los ao colo! Falem dos problemas físicos e dos arames que quiserem. Porque a partir daqui quem joga somos nós.

Desde este louco que acorda com os rapazes na cabeça. Passando pelos que estão a milhares de quilómetros de distância. Ou até aqueles que cantam o hino a caminho da escola pela manhã! (O pânico da minha mãe a contar-me isto...)

Agora somos todos. Todos juntos. Somos um. Fortes! Imparáveis.

Obrigado Benfica!